sábado, fevereiro 10, 2007

Imperdível este texto da Rita Ferro Rodriges: Carminho & Sandra

Carminho & Sandra


"Carminho senta-se nos bancos almofadados do BMW da mãe. Chove lá fora.
Encosta o nariz ao vidro para disfarçar duas enormes lágrimas que lhe rolam pela face. A mãe conduz o carro e aperta-lhe ternamente a mão. Há muito trânsito na Lapa ao fim da tarde. A mãe tem um olhar triste e vago mas aperta com força a mão da filha de 18 anos. Estão juntas. A caminho de Espanha.

Sandra senta-se no banco côr-de-laranja do autocarro 22 que sai de Alcântara. Chove lá fora. Encosta o nariz ao vidro para disfarçar duas enormes lágrimas que lhe rolam pela face. A mãe está sentada ao lado dela. Encosta o guarda-chuva aos pés gelados e aperta-lhe ternamente a mão. Há muito trânsito em Alcântara ao fim da tarde. A mãe tem um olhar triste e vago mas aperta com força a mão da filha de 18 anos. Estão juntas. A caminho de casa de Uma Senhora.

O BMW e o autocarro 22 cruzam-se a subir a Avenida Infante Santo.

Carminho despe-se a tremer sem nunca conseguir estancar o choro. Veste uma bata verde. Deita-se numa marquesa. É atendida por uma médica que lhe entoa palavras doces ao ouvido, enquanto lhe afaga o cabelo. Carminho sente-se a adormecer depois de respirar mais fundo o cheiro que a máscara exala. Chora enquanto dorme.

Sandra não se despe e treme muito sem conseguir estancar o choro. Nervosa, brinca com as tranças que a mãe lhe fez de manhã na tentativa de lhe recuperar a infância. A Senhora chega. A mãe entrega um envelope à Senhora. A Senhora abre-o e resmunga qualquer coisa. É altura de beber um liquido verde de sabor muito ácido. O copo está sujo, pensa Sandra. Sente-se doente e sabe que vai adormecer. Chora enquanto dorme.

Carminho acorda do seu sono induzido. Tem a mãe e a médica ao seu lado. Não sente dores no corpo mas as lágrimas não param de lhe correr cara abaixo.
Sai da clínica de rosto destapado. Sabe-lhe bem o ar fresco da manhã. É tempo de regressar a casa. Quando a placa da União Europeia surge na estrada a dizer PORTUGAL, Carminho chora convulsivamente.

Sandra não acorda. E não acorda . E não acorda. A mãe geme baixinho desesperada ao seu lado. Pede à Senhora para chamar uma ambulância. A Senhora não deixa, ponha-se daqui para fora com a miúda, há uma cabine lá em baixo, livre-se de dizer a alguém que eu existo. A mãe arrasta a Sandra inanimada escada a baixo. Um vizinho, cansado, chama o 112 e a polícia.

Sandra acorda no quarto 122 dias depois. As lágrimas cara abaixo. Não poderás ter mais filhos, Sandra, disse-lhe uma médica, emocionada.

Sai do hospital de cara tapada, coberta por um lenço. Não sente o ar fresco da manhã. No bolso junto ao útero magoado, a intimação para se apresentar a um tribunal do seu país: Portugal.

Eu voto sim . Pela Sandra e pela Carminho. Pelas suas mães e avós. Por mim."

Rita Ferro Rodrigues

8 comentários:

Anónimo disse...

olá! as melhoras do pé! ainda bem que escreveste este post......lembrei-me, devido ao post k amanhã é dia 11 de fevereiro! beijos. Nuno

Anónimo disse...

olá! já foste votar? eu vou de tarde...beijos e as melhoras p ti! bom descanso!

Sandra disse...

Olá!!!
Sabes ainda n fui votar...mas vou!
Quero o meu voto lá!
Realmente o teu texto e emocionante...

Um beijinho para ti!

Cláudia disse...

Eu tmb voto sim...
Alias, votei sim :)
Beijinho

Anónimo disse...

Ola fofinha :)
Como ta exe pezinho?
Vim deixar-te um grande beijinho.

sotto le stelle disse...

E o sim venceu...
Boa semana. Jinhos fofos apertadinhos


Obrigada pelo apoio.

Gio disse...

Ja tinha lido este texto noutro blog, acho soberbo... adorei.

Bia disse...

Estou verdadeiramente arrepiada, e que as lágrimas da Sandra e de todas as outras Sandras sirvam de exemplo... ainda bem que o SIM ganhou.
Um beijo e parabéns pelo post sensibiliza qualquer um...